Imperador invertido - Artemísia #20
Os desafios da reintegração saudável da minha energia masculina
“Vou seguir fluindo e já volto”, me disse, em sonho, um homem desconhecido por quem eu estava apaixonada, antes de seguir seu rumo.
Guardei a camiseta dele entre as minhas coisas. Meu coração pulava, meu estômago revirava de tanta paixão e minhas mãos suavam de nervosismo. Eu estampava um sorriso de canto que não saía do rosto nem pensando em coisas tristes. Poderia dar play tranquilamente em qualquer música do álbum “Canções de Apartamento”, do Cícero, e olhar pela janela por horas pensando nele e nos filhos que teríamos juntos.
O ato de guardar a roupa dele foi estratégico: quis garantir que teríamos assunto quando ele voltasse. Eu planejava estendê-la com um olhar muito afrodisíaco, na esperança de que engatássemos uma longa conversa e ficássemos juntos por horas - e então pela vida inteira.
Só que ele foi embora. Prometeu que voltaria, mas decidiu fluir em outro lugar.
Para me distrair, fui andar de skate, mas meus joelhos doeram. Resolvi não forçar. Eu só pensava no retorno daquele cara. Estava obcecada, apaixonadíssima!
Acordei.
O homem do sonho é meu Animus. Segundo a psicologia junguiana, o Animus é a energia masculina que temos dentro de nós. No caso das mulheres, esse homem pelo qual estamos apaixonadas aparece em sonhos para representar nossa energia complementar; a força de ação, a concretização de projetos, a objetividade e a racionalidade. Em sonhos, ele costuma dar indícios se está pronto para a conexão conosco ou se está em outro lugar que não vemos.
Meu Animus decidiu que iria fluir, em outubro do ano passado, e até agora sinto que não o reencontrei.
Andar de skate? Não deu. Meus joelhos doem com a dificuldade de rendição, de flexibilidade diante da vida. Minha Ártemis fica meio abobada dentro de um apartamento de 30 metros quadrados, ansiando por explorar o mundo e ver se em outro continente esse homem perfeito está viajando também.
Será que ele está fluindo na Ásia ou na América do Sul? Será que se eu aprender a surfar vou me reconectar a ele ou preciso ficar quietinha e esperar?
Não saber a resposta tem sido angustiante.
O casamento alquímico entre os polos da energia feminina e masculina é uma das buscas mais importantes do processo de individuação. Antes que a dúvida surja, esse conceito de energia masculina e feminina não tem nada a ver com identidade de gênero ou sexo - simplesmente é uma das leis herméticas. Tudo é gênero, conforme consta nas páginas do Caibalion, sobre o qual já falei aqui. O equilíbrio dos polos é uma das premissas da nossa caminhada rumo à individuação, à integração profunda do nosso Self.
A energia feminina é mais voltada à intuição, nutrição e emoções. A energia masculina é associada à ação, à objetividade, à razão.
Yin-yang. Animus e Anima. Noite e dia. Sol e Lua. Há a representação desses opostos complementares de diversas formas em diferentes linhas de pesquisa, filosofia e mitos.
Pouco antes do lançamento desta newsletter, em janeiro deste ano, joguei tarot de marselha para mim. Perguntei sobre a empreitada que, hoje, chega à sua vigésima edição na caixa de e-mail de quase uma centena de assinantes. O projeto vingaria? Daria pé? Estava alinhado comigo?
Tirei o Imperador invertido. Entendi na hora: sim, claro que vai dar certo, Cândida - mas cadê tua energia masculina para tirar o projeto do mundo das ideias? Está de cabeça para baixo!!!
No período em que joguei as cartas, eu tinha toda a ideia na cabeça. Sabia que a newsletter se chamaria Artemísia, seguida da tríade “Sonhos, aventuras e regeneração”. Sabia sobre o que escreveria, em que formato, de que modo, com que regularidade. Tinha tudo planejado, arquitetado, rascunhado em mínimos detalhes. Eu tinha sentido aquelas respostas, intuído o caminho, gestado o projeto. O que faltava? Todo o resto.
A carta parecia me dizer: “Tudo bem que é uma newsletter que busca a reintegração do feminino e da magia que é associada à sabedoria antiga carregada por mulheres (vide o nome, que é uma erva associada ao feminino e que homenageia o meu arquétipo de alma, Ártemis). Mas também não precisa correr para o outro extremo da coisa - a gente precisa, sim, do masculino, só que reintegrado de forma saudável. Pega o teu agora para fazer isso ir pra frente.”
Naquele dia, tomei vergonha na cara e criei este Substack, produzi o logo improvisado que estampa o cabeçalho, tirei o conceito do papel e o levei à plataforma que, hoje, o abriga.
Dias depois, em uma nova leitura de tarot, tirei o Imperador na posição correta. Virei o jogo. A mesa de quatro pernas parou em pé.
O Imperador não existe sem a carta que o precede, a Imperatriz. Ambos expressam o mesmo âmago: a governança criativa. Segundo Sallie Nichols, na obra “Jung e o tarô - uma jornada arquetípica”:
“O Imperador reina essencialmente por meio do Logos e do pensamento; a Imperatriz se vale sobretudo de Eros e do sentimento. Para o Imperador, o fato objetivo é a verdade honesta; para a Imperatriz, o fato interior é fundamentalmente importante. Em seu reino, revelar um fato objetivo que pode ferir um relacionamento seria desonesto, ao passo que, no mundo do Imperador, ocultar um fato dessa natureza seria repreensível. Está claro que, numa dada situação, ambos não podem reinar ao mesmo tempo. Mas se dermos a cada um, por sua vez, o ensejo de falar, poderemos encontrar uma solução legítima para o fato da realidade externa sem violentar o fato, igualmente importante, do sentimento interno.”
Para o Imperador, dar nome às coisas é uma parte importante de sua tarefa e integra o ato criativo. É preciso que se tenha a completude entre o sentimento e sua externalização saudável, entre a intuição e a ação condizente para que se atinja o equilíbrio, representado pelo número que estampa a carta: quatro.
O quatro simboliza a totalidade. Indica nossa orientação para a condição humana, representada pelo quadrado; simboliza a lei e a ordem que se sobrepõe ao caos. As quatro estações, os quatro pontos cardeais, o senso de direcionamento e de proteção de quatro paredes.
O Imperador ordena o mundo pela palavra, traz à consciência o que foi escrutinado no mundo interior da Imperatriz. Ambos existem juntos - de preferência de cabeça para cima.
Ampliando a leitura, contudo, pergunto: será que, na vida, meu Imperador continua de cabeça para baixo?
Escrevi tantas vezes sobre a necessidade de reintegração da minha energia feminina, do meu desejo de virar uma planta, de crescer plena, quietinha, em silêncio, no meu tempo, sem fazer alarde, sem amplificar o que não estava sequer claro pra mim. Eu queria voltar para dentro, cuidar do meu interior, ficar um pouco mais descansada, relaxada. Queria caminhar, não correr. Eu tinha operado por anos demais somente na lógica masculina patriarcal.
Esbaforida de uma corrida sem sentido atrás de sucesso profissional e validação externa, precisava recuperar o fôlego e recalcular o meu conceito de linha de chegada. E eu sabia, com toda a minha alma, que eu precisava olhar para os meus arquétipos femininos. Estavam todos doentes.
Escrutinei com tanto afinco, em um microscópio, as minhas deusas internas que pergunto: cadê minha força de ação? Será que não está na hora de ir um pouco mais para fora? Será que tanto relaxamento já não é inação? Será que tanto silêncio já não é quase uma omissão do que eu vim fazer no mundo? Será que essa falta de pressa não está virando “comer mosca”? Será que esse “tudo no seu tempo” não virou preguiça de insistir no que importa para mim? Será que esse “o que for pra ser, será” não virou desculpa para camuflar o medo de dar “errado”? Será que entrei tão fundo na conexão interna que perdi a conexão com o que está fora? Será que não estou conseguindo ordenar e expressar o meu mundo interior?
Será que, será que, será que???
Acho que preciso agir. Acho que preciso ordenar esse mergulho com palavras.
Brado aos quatro ventos que meu signo favorito é Libra - e olha que sou canceriana. Sou fascinada pelo equilíbrio, beleza e diplomacia que os librianos representam.
A balança que representa o sétimo signo do zodíaco contém a resposta: nem tão pra lá, nem tão pra cá. Voltar para dentro, mas também saber quando sair. Cuidar de si para cuidar dos outros. Equilibrar os polos, botar a boca no trombone com elegância e firmeza. Honrar a Imperatriz & O Imperador.
Será que agora o fluxo do meu Animus me reencontra? Talvez o joelho tenha parado de doer e esteja mais flexível, pronto para se render. Vou testar e conto para vocês.
Hora do chá
Tem bastante gente nova chegando nesta newsletter - o que me deixa radiante. Sempre digo que escrevo porque preciso (e é verdade), então o fato de outras pessoas me acompanharem e os escritos ressoarem por aí me deixa muito feliz.
Para ajudar a Artemísia a continuar crescendo, envie para amigos e outras pessoas que podem gostar do que escrevo. Meu Animus também agradece! :)
O Rio Grande do Sul continua precisando de ajuda
A situação de emergência climática não arrefeceu ainda em terras gaúchas. Por favor, não parem de doar, divulgar, conversar sobre, compartilhar. Aqui, neste artigo da EmpoderaClima, organização da qual faço parte, tem uma boa curadoria de locais para doação e uma explicação minuciosa de tudo o que está acontecendo - também com viés de gênero. (Afinal, esse desrespeito pela energia feminina se expressa de forma concreta no mundo, né?) Não parem de doar!
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Até semana que vem!