[Hora do chá #1] Livros sobre magia, bruxaria & espiritualidade
Obras que moldaram minha visão sobre essa tríade e expansão de consciência
Abro a primeira série especial desta newsletter com uma informação crucial: abraço indicações de livro como uma grande responsabilidade. Fico com receio de estender uma obra que amei a amigos e eles torcerem o nariz depois. Dependendo do meu nível de conexão com a história, é como se a cara feia fosse direcionada a uma parte minha. (Felizmente, nenhum ousou reclamar da Tetralogia Napolitana na minha frente, o que seria uma ofensa pessoal.)
Faz um tempo que algumas pessoas me pedem indicações de livros sobre bruxaria e espiritualidade. No título desta newsletter, coloquei a palavra magia primeiro porque, a meu ver, ela resume bem o que entendo como bruxaria: a visão intrínseca de que a vida contém uma linguagem misteriosa que nem sempre compreendemos, mas que se desvela como possibilidades de criação de realidade, expansão de consciência e de entendimento — mesmo que ínfimo — de uma ordem no meio da desordem.
Magia é olhar a vida de forma curiosa. É o resgate da conexão com o feminino, que foi talhado nas últimas centenas de anos. É o autoconhecimento, o respeito aos próprios ciclos. É uma conexão radical com a natureza, reverenciando suas manifestações, principalmente no uso de plantas, na manipulação de aspectos sutis e de um amor pelo Mistério. Nunca vamos saber tudo — e isso é uma bênção.
Sem mais delongas, fiz uma lista bem completa e trouxe até livros de ficção para quem não é muito de leituras teóricas. Saboreiem, mergulhem, sintam e expandam — porque a leitura também é mágica, né?
1) O Caibalion - estudo da filosofia hermética do Antigo Egito e da Grécia
Li este aqui no início do ano e já trouxe para cá bem no topo porque ainda não sei explicar direito o quão transformadora é essa obra de “míseras” 167 páginas. Fruto da sabedoria de Hermes Trismegisto, um mestre que viveu no Egito há cerca de 5 mil anos, contém as famosas sete leis herméticas, que explicam o funcionamento do Universo e da consciência. Preparem-se: é explosão atrás de explosão.
A obra foi assinada por “Três Iniciados”, mas até hoje ninguém confirma quem a redigiu — só se sabe que foi no início dos anos 1900 e que é a compilação dos ensinamentos do Mestre dos Mestres. Apesar de curtinha, dá um nó na cachola — e, para desatá-los, recorri às aulas da Lúcia Helena Galvão (inclusive, agradeço todas as vezes porque essa mulher existe, pega um microfone e espalha o que sabe).
A comprovação dos Preceitos Herméticos ocorreu, muito tempo depois, pela Física. Há os princípios do mentalismo, da correspondência, da vibração, da polaridade, do ritmo, da causa e efeito e do gênero.
A forma mais simples de descrever o eco desse livro é que mudei muito depois de absorver as leis herméticas. Sou bem mais leve, olho tudo com mais curiosidade e encantamento, com a sensação de estar mais conectada ao espiritual. Internalizei até na minha escrita a percepção de que tudo é fruto da mente do Todo, que é Deus. É lindo.
2) A Dança Cósmica das Feiticeiras - Starhawk
Eu amo, amo, amo esta obra — que chegou até mim por uma sincronicidade e por um sonho (juro!). Sonhei que esse livro caía na minha cabeça na biblioteca da Francis Paciornik, uma bruxa poderosíssima com que iniciei estudos de interpretação de sonhos em 2021. Fui escrever para ela no Instagram sobre o tal sonho e ela cravou: “É Starhawk, e este é o melhor livro de magia que já li”. Se ELA falou, gente, quem sou eu para discordar?
Descrevo essa obra como o manual prático das bruxas modernas com consciência de classe, ambientalistas e engajadas. Logo na abertura, a Starhawk fala que bruxaria também é ir para a rua protestar—e isso ganhou meu coração na hora, desfazendo receios de que espiritualidade significa se desconectar completamente do mundo concreto e colocar tudo na conta da “expansão de consciência e criação de realidade individual”.
Vejo a obra como bastante introdutória também. A autora conceitua magia, Deus, Deusa, masculino, feminino e tem vários feitiços super práticos. Está na minha cabeceira, é um livro bonito e cheiroso — e, por conta dele, sigo na busca de um coven para praticar os rituais.
3) Mulheres que Correm com os Lobos - Clarissa Pinkola Estés
Este aqui foi a porta de entrada para o resgate da minha energia feminina, que estava em frangalhos quando comecei a leitura, lá em 2019. Aos 24, 25 anos, eu tinha internalizado toda a lógica de funcionamento masculina do capitalismo. Portanto, colecionava burnouts, tristeza profunda, exaustão física e mental e uma vontade imensa de me reconectar à natureza. Mesmo trabalhando diretamente em meio a agroflorestas e propriedades agroecológicas, eu tinha me afastado de mim.
“Mulheres que Correm com os Lobos” abre esse portal da psicologia junguiana, da mitologia, da conexão das mulheres com seus fluxos e ciclos. Acho que todas as mulheres, em algum momento da vida, deveriam lê-la, aos pouquinhos, capítulo por capítulo — porque cada, magicamente, chega na hora certa. Por meio da análise de mitos de diferentes culturas e partes do mundo, a autora traça esse resgate da nossa alma selvagem, pura, criativa. O conhecimento sempre esteve disponível, mas nos fizeram esquecê-lo, e ver esse calhamaço figurando nos livros mais vendidos me faz renovar esperanças.
4) O Caminho dos Sonhos - Marie-Louise von Franz
Por que sonhamos? Qual é a função dos sonhos? O que sonhos repetidos querem dizer? Como entender o que sonho? A maior seguidora de Jung, Marie-Louise von Franz, entrega uma obra curta, fácil de ler e de absorver sobre a importância dos sonhos na vida das pessoas. Indico essa obra para quem nunca teve contato com a interpretação de sonhos da perspectiva junguiana — que difere bastante da freudiana — e para quem sabe um pouco, mas deseja se aprofundar.
Em entrevista a Fraser Boa, von Franz conceitua aspectos cruciais cunhados por Jung, como Animus e Anima, os motivos pelos quais sonhamos e analisa casos práticos apresentados por pacientes. Um primor, de verdade! Começamos a notar como, todas as noites, ao colocar a cabeça no travesseiro, nos é dada uma chance única de acessar nossa intuição e nosso Self. Não é à toa que povos originários e indígenas compartilham sonhos em volta de uma fogueira: é uma linguagem sagrada, capaz de nos guiar a outras linhas do tempo e de nos fazer cumprir nosso propósito. É magia no sentido mais puro da palavra.
5) O Homem e seus Símbolos - Carl G. Jung
Virei uma seguidora de Jung por causa dos cursos da Francis Paciornik, a maior bruxona que conheço (e que já citei acima). Quanto mais me embrenhava na interpretação dos meus sonhos, mais necessidade eu sentia de compreender a linguagem simbólica que meu Inconsciente me entrega todas as noites. Este livro é um dos últimos que Jung escreveu — tanto que há capítulos assinados por outros autores, inclusive pela von Franz — e apresenta uma linguagem super didática e clara para meros mortais não iniciados na complexa retórica da Psicologia Analítica. Jung conta que decidiu escrever esta obra por causa de um sonho. Inicialmente, ele hesitou em “simplificar” sua linguagem, mas sonhou que falava de forma clara e simples a uma plateia bastante numerosa. Acordou, entendeu a mensagem e, por conta disso, podemos ter essa preciosidade na estante hoje.
Encontrei meu exemplar em uma edição rara, antiga e muito barata em um sebo recém inaugurado em Porto Alegre, no ano passado, e desde então avanço nos capítulos com moderação — a voracidade não combina com o conteúdo, que prefiro absorver devagar. Recomendo a obra para além dos interessados em interpretação de sonhos, como eu, mas a todos que desejam compreender a linguagem da vida — que se comunica conosco por meio de símbolos.
Tudo é símbolo. Todos os acontecimentos da nossa vida. A gaveta emperrada, a torneira que pinga e entope, o chuveiro que queima, o carro que pifa… Embora não se entre muito em alquimia na obra, é interessante para compreender a Jornada do Herói na mitologia e como ela conversa com os arcos da nossa vida. Diria que é um livro para relembrar de muita coisa.
6) Jung e o Tarot - Sallie Nichols
Jung, Jung e Jung. Já viram que sou suspeita, né? Mas é que o psicanalista suíço não era um bruxo à toa. Quando caímos na toca do coelho, descobrimos o que povos antigos já sabiam: que a vida é, em si, mágica. E o que o baralho do Tarot de Marselha tem a ver com isso, Cândida? Bom, os Grandes Arcanos do Tarot, que são compostos por 22 cartas, guardam uma sabedoria profunda sobre a Jornada do Herói pessoal, falam de alquimia, de simbolismo, de luz e sombra e de como podemos alcançar nosso verdadeiro Eu.
Este livro da Sallie Nichols analisa as 22 cartas de forma primorosa, colocando-as em perspectiva até com outros baralhos e trazendo à luz aspectos cunhados por Jung. Virou um dos meus livros favoritos da vida (e isso não é pouca coisa, acreditem). Desde então, jogo Tarot para mim. Dos insights que os jogos me proporcionaram, saíram uns textos como este (sobre A Papisa), este (sobre O Eremita) e este (sobre A Estrela). Vejo o Tarot como ferramenta de autoconhecimento, e não como oráculo.
Indico este livro quem deseja entender a Jornada do Herói pessoal que todos vivemos e sobre símbolos. Há muita sabedoria guardada naquelas imagens, mais do que sequer podemos imaginar, e isso clareia até alguns sonhos e acontecimentos cotidianos.
Bônus: ficção
7) As Brumas de Avalon - Marion Zimmer Bradley
Uma releitura das lendas arturianas sob o ponto de vista das mulheres — este é, bem resumidamente, o roteiro de As Brumas de Avalon, saga renomada que contém, em forma de Literatura, muita sabedoria sobre o resgate do feminino. Acompanhando a história de Morgana, Igraine, Viviane e Gwynefair, somos levados a compreender os ritos de iniciação na magia, questões relativas às Sacerdotisas da Deusa e como a religião, a partir de uma visão distorcida de Deus, feriu sabedorias ancestrais.
O tomo que compartilho acima, uma edição lindíssima de capa dura, tem mais de 900 páginas — que eu tive a coragem de levar na mala à minha viagem à Argentina ano passado. Não me arrependi. Até hoje, carrego a seguinte citação, proferida pelo Merlin, como um lembrete carinhoso:
“Cuidado com o que você deseja, pois certamente lhe será concedido.”
Ponto número um da bruxaria, né?
8) Harry Potter - J. K. Rowling
Uma saga infantil aqui no meio? Sim! Primeiro, eu nem acho que seja tão infanto-juvenil assim, necessariamente. Segundo, e se for, qual é o problema? A Literatura Infantil utiliza símbolos aos montes — a gente que, quando cresce, atrofia essa linguagem. E bom, eu sei que a J.K. Rowling está merecidamente cancelada, mas Harry Potter é uma obra-prima cheia de alquimia. Ela definitivamente sabia o que estava escrevendo! (A autora tem o lema dos alquimistas tatuado no pulso: solve et coagula.)
Iniciei a releitura no final do ano passado e fiquei surpresa com o tanto de simbologia sobre expansão de consciência, fases alquímicas, animais de poder, força interior que há nas páginas. Já escrevi sobre a simbologia de Harry Potter aqui e aqui. Prestem atenção nas histórias infantis e nos contos de fada e comecem a ler como uma batalha do herói contra ele mesmo, não contra o que está do lado de fora. Faz muito mais sentido (e as leituras que indiquei na seção anterior auxiliam muito nisso).
Aos 13 anos, li “A Pedra Filosofal” pela primeira vez e lembro de dizer com estupefação aos meus pais que tudo o que eu queria era ser bruxa e frequentar Hogwarts. Hoje, simbolicamente, não é que eu posso mesmo? (E quero meu assento na Grifinória!)
9) O Alquimista - Paulo Coelho
Perdi meu preconceito com Paulo Coelho recentemente, confesso. Depois de muito topar com resenhas literárias criticando o teor das obras e a linguagem do Mago, torci o nariz, mesmo que já tivesse lido duas obras dele no Ensino Médio. Pois no segundo dia deste ano, ouvi o álbum “Fruto Proibido” da Rita Lee, e me surpreendi quando soube que há canções compostas por ele - inclusive, muito místicas, como “O Toque”.
Quem tem ouvidos que ouça
Você é uma criança do universo
E tem tanto o direito de estar aqui
Quanto as árvores e as estrelas
Mesmo que isto não esteja claro para você
Não há dúvidas
Que o universo segue o rumo
Que todos nós escolhemos
Não sei se só eu que fui a desavisada, mas Paulo Coelho também escreveu várias músicas com o Raul Seixas, inclusive Gita, o álbum mais famoso do roqueiro e que também é o nome desse hino que multidões ainda cantam:
Eu sou a luz das estrelas
Eu sou a cor do luar
Eu sou as coisas da vida
Eu sou o medo de amar
Eu sou o medo do fraco
A força da imaginação
O blefe do jogador
Eu sou, eu fui, eu vou
[...]
Eu sou a vela que acende
Eu sou a luz que se apaga
Eu sou a beira do abismo
Eu sou o tudo e o nada
Estão falando de Deus, que é o Todo — e aí conectamos ao “Caibalion”, primeira indicação desta lista.
Voltando aos livros de Paulo Coelho, a linguagem de “O Alquimista” pode não ser a coisa mais literária que já se viu em termos de trabalho linguístico (como muitos críticos gostam de apontar), mas há uma mensagem poderosa de busca de “lenda pessoal”, de caminhos do Universo, de viver de acordo com seus princípios mais profundos. É uma história potente — e inspirou milhões de pessoas não à toa. Paulo Coelho cumpre, por meio de seus livros, sua própria lenda pessoal.
E aí, gostaram da seleção? Sentiram falta de alguma coisa?
Se gostaram, me deixem saber que trago outras obras para a newsletter em mais Horas do Chá de Artemísia! :)
Amei ♥️
querida, acho que tu vais gostar muito de brida, do paulo coelho. ♥