Caçar meu entusiasmo, seguir minha alegria - Artemísia #14
Voltei às aulas de skate e confirmei: me sentir viva, presente e forte é prioridade
Há uma chave bem pequena dentro da minha carteira. No dia em que consagrei esse item dourado após uma meditação, passei pela praça de skate localizada em frente ao meu prédio, vi meu professor dando aula para outra pessoa (eu tinha feito uma pausa devido à minha condição financeira momentânea pós-pedido de demissão) e bateu uma saudade chacoalhante que não sossegou até que eu o escrevesse.
Recomecei as aulas na segunda-feira. Quanto custa se sentir viva?
Cheguei na praça me sentindo radiante, sem conseguir esconder a empolgação quase infantil. Por sorte, meu professor é empolgado na mesma medida, notou o sorriso que não saía por nada da minha cara e perguntou: “Tu tá apaixonada, Cân?”
“Pior que não”, respondi, meio decepcionada.
“Então tu tá apaixonada pela vida”, ele constatou.
Nunca foi e nunca será só uma aula de skate. Nunca.
Contei, esta semana, uma situação inusitada que vivi em um emprego recente a uma amiga. Ela me parabenizou por mais um ato de coragem, mostrou-se empática e me deu o acolhimento — e a validação — que eu precisava. Conversa vai, conversa vem, ela me confidenciou, um pouco se justificando por engatar um relacionamento:
“Amiga, eu até queria estar solteira, mas sou viciada em me apaixonar”.
E eu pensei com meus botões: haja coragem para essa entrega. Por ora, o único músculo de “soltar o controle” que pareço ter firme é o de pedir demissão e o de descer rampas de skate aos quase 30 anos — o que, pensando bem, também não é pouca coisa.
No retorno às aulas de skate, comprovei: qualquer problema do ego fica em milésimo plano quando a alma está se expressando. Estive 1000000% presente, feliz e forte durante mais de uma hora. Nem quando eu medito consigo atingir aquele estado de alegria, paz e vivacidade. Todas as vezes que estou fazendo aulas de skate eu penso que era exatamente lá, naquela aula, que eu queria estar. Não tem preço que pague isso — e não há memória que apague essa sensação do corpo.
Quando temos esse contato único com algo que transcende, que revela nossas partes potentes, únicas, doidas, buscamos isso em tudo. E porque sabemos o quanto vale essa chama interior, não negociamos a permanência em espaços em que não é possível expressar nossa essência, em que não haja o mínimo de entusiasmo por qualquer coisa que coloquemos no mundo.
Caço, com uma vontade selvagem, a sensação de saber que estou fazendo o que deveria estar fazendo. A sensação de “eu não queria estar fazendo outra coisa nem se pudesse”. É ali que acontece a magia.
A chave que carrego na minha carteira lembra que novos caminhos se abrem nas portas em que há o combo do título: alegria e entusiasmo. A sincronicidade de confiar nisso me levou a vídeos muito tocantes esta semana, gravados pela influencer Jacira Doce (cujos conteúdo eu admiro muito pelo humor ao mesmo tempo debochado e elegante). Ela falou sobre alguns aprendizados que teve ao longo dos 35 anos, que completaria em alguns dias. Em um deles, narrando a própria história cheia de obstáculos e desafios, disse: “Eu sempre fui muito comprometida com minha felicidade. Acredito que a vida pode ser boa e corro muito atrás disso”. Escorreram lágrimas, confesso. O caminho até esse lugar não é fácil, mas o comprometimento conosco é inegociável, porque é ele que abre todas as portas.
Então, reforcei comigo: vou brigar com o mundo inteiro se for necessário, mas não vou engolir uma vida medíocre. O arco e a flecha estão empunhados na caça do meu entusiasmo, porque é isso que me aproxima do divino.
A etimologia da palavra entusiasmo deriva do grego "enthousiasmos", que significa "ter um deus interior" ou "estar possuído por Deus". É a centelha divina brilhando dentro da gente. Não existe coisa mais linda do que ver alguém possuído por essa sensação operando na sua forma mais conectada à própria alma. Todos nós sabemos, quando estamos empolgados, o quanto o tempo estica, passa diferente, e o quanto a vida se torna dotada de um sentido transcendente.
Em mais uma sincronicidade do Universo, um amigo me enviou um vídeo de uma tal de Mary Oliver lendo um de seus poemas. Não a conhecia e fiquei maravilhada instantaneamente. Fui pesquisar tudo o que pude sobre a autora estadunidense que já ganhou um Pulitzer, faleceu em 2019 e era apaixonada por escrever sobre o mundo natural, de onde tirava inspiração em suas longas caminhadas pela floresta. Em “When Death Comes”, ela escreveu:
[...]
When it's over, I want to say all my life
I was a bride married to amazement.
I was the bridegroom, taking the world into my arms.
When it's over, I don't want to wonder
if I have made of my life something particular, and real.
I don't want to find myself sighing and frightened,
or full of argument.
I don't want to end up simply having visited this world.
As respostas para que essa passagem pela vida não seja uma visita sem sentido estão no entusiasmo e na alegria. Cacem o que brilha o olho e protejam isso como se fosse ouro — porque é.