Pílulas de uma mochileira otimista - Artemísia #37
Ou três lembretes para carregar no bolso em qualquer ocasião
O eclipse lunar bateu forte e as emoções adormecidas afloraram. Nessa montanha-russa emocional em terras colombianas, haja caderninho para registrar os rompantes de inspiração que oscilam entre momentos de profunda fé e de dúvidas barulhentas.
Acompanho as notícias do Brasil à distância, com bastante dificuldade de assimilar o apocalipse a olhos vistos — de novo. Depois de enchentes absurdas que nos transportaram para dentro de uma ficção científica de mau gosto em abril e maio, leio e escuto relatos de familiares e amigos que respiram fumaça. O que encobre e contamina o ar de grandes cidades brasileiras de maneira nunca antes experenciada é chocante. Há duas semanas, vi pessoalmente a maior seca da história do rio Amazonas, quando estava na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia. É uma tragédia depois da outra em uma espiral de consequências terríveis da desconexão do ser humano com a natureza.
Esquadrinho sentidos para não sucumbir e manter o otimismo, porque sou uma otimista inveterada, afinal. Sei que vamos sair desse caos, mas também acredito que, antes de as soluções que já existem serem aplicadas em larga escala, também vai piorar muito.
Nesses momentos, enviar uma newsletter que fala de vida criativa e autêntica por meio da reintegração da energia feminina pode soar banal. Mas não é. Penso que necessitamos seguir no curso do auto-aprimoramento, uma vez que só conseguimos cuidar do entorno quando nos acalentamos internamente também. Está tudo interligado.
Em meio a essas ressignificações, lembro que viajar nos tira da zona de conforto todos os dias — para o bem e para o mal. É lindo e aterrorizante, em uma escala de linhas borradas. Por mais que a mochila nas costas me dote de uma sensação imbatível de aventura e liberdade, é claro que também gostaria de, às vezes, viver minha própria novela mexicana.
Vou colocar a culpa no eclipse e no signo solar (Câncer, né). Por isso, pela primeira vez desde que saí do meu apartamento em Porto Alegre, aluguei um Airbnb em Medellín. Estou hospedada, agora, em um quarto privado — luxo do qual não desfrutava há mais de dois meses. Em uma segunda-feira em que voltei do bar tomando um banho de chuva proposital, nasceu este texto dentro de mim, fruto de conversas, observações e vivências com outros viajantes desde o início de julho.
A viagem para fora é também, e acima de tudo, um mergulho para dentro. Então vamos lá.
1 - Nunca diga que você é velha ou velho demais para algo
Quantas vezes você já se podou de uma atividade que gostaria muito de fazer porque tinha, alegadamente, passado “o prazo” de consumá-la? Aprender a surfar ou andar de skate, estudar uma nova língua, realizar uma viagem maluca, embarcar em um hobby novo?
Conversei com uma amiga mochileira, esta semana, sobre o quanto viajar, para mim, da forma que faço hoje, era algo absolutamente distante não só por questões financeiras, mas porque pensei que um intercâmbio, uma experiência genuína de troca cultural, só estivesse disponível no Ensino Médio ou na faculdade. Ou seja, como meus pais não conseguiram me proporcionar isso na época, passei anos sentada em cima de uma frustração: eu tinha que aceitar que aquilo não poderia mais ser vivido, pois era caro e impossível, e agora, em plena construção de uma reputação profissional, não era conciliável.
Até que uma chave vira. Aprendi a andar de skate, aos 28 anos, e isso mudou minha vida (já falei sobre isso aqui e aqui). Comecei a acompanhar mochileiras, vi que viajar não precisava ser tão caro assim - inclusive, gasto menos viajando do que quando morava em Porto Alegre — e vivo um intercâmbio cultural intenso e genuíno por meio do Couchsurfing e de voluntariados. Até com uma família peruana em Iquitos morei por um mês. De graça.
Na estrada, conheci mochileiros de 20 e poucos, 30 e tantos e até quase 50. Ninguém viaja igual e ninguém repete que está novo ou velho demais para algo. A idade não define experiências. Há jovens de 20 anos de alma mais velha do que adultos de 50 e poucos. Também conheci uma mãe e uma filha, de Nova Caledônia (um território francês pertinho da Austrália), viajando o mundo juntas: ela tem 39, a filha, 11. Elas dão seu jeito e estão colecionando histórias incríveis, o que me tirou um peso enorme do meu desejo de maternar.
De repente, tornou-se uma máxima na minha vida: nunca quero dizer que estou velha demais para algo. Porque não estou. E você também certamente não está.
2 - Não existe roteiro linear nem trajeto igual a outro. Existe coerência interior
Não há viajante que faça o mesmo roteiro que outro. Há a possibilidade de viajar com mais pessoas por um tempo, sim, quando se dá um match de amizade ou até romântico. Também não é raro cruzarmos uns com os outros em hostels de forma inesperada e descobrirmos que temos amigos em comum acumulados em cidades diferentes.
Contudo, ninguém segue o mesmo roteiro. Ninguém vem nem segue para o mesmo lugar para sempre. Tampouco existe lugar, cidade ou ponto turístico obrigatório. O que existe é o viajante se perguntar: “para onde sinto vontade de ir agora?”. E ponto. Segue-se uma coerência interior, muito mais do que a obrigação de dar check em pontos específicos.
Levo isso para a vida, evitando olhar para fora e me comparar com a história de outras pessoas que sequer conheço a fundo.
3 - Deguste tudo com presença. Não negocie seu tempo
O que você vive agora, neste exato momento, é a única coisa possível de ser vivida. Deguste com toda a presença que puder, porque vai passar — e porque, estando presente, aquela experiência vai, inevitavelmente, por menor que seja, te transformar.
As pessoas mais especiais que conheci nesta viagem são viajantes que exalam um senso de presença profundo. Elas estavam lá, naquele momento, vivendo o que se desenrolava à sua frente como a experiência mais importante das suas vidas. Um desses viajantes é o Thomas, inglês sobre o qual escrevi aqui — e que, em 90 minutos, mudou minha vida.
A partir disso, entendi que a presença é um valor inegociável para mim.
Quero desfrutar tudo no mais absoluto presente, como se cada acontecimento — fortuito, grande, pequeno, ruim ou bom — fosse a única coisa possível de ser vivida — porque é. Quero viver cada momento, até os desafiadores, no mais absoluto sentido do Agora, como se não houvesse qualquer outra oportunidade a não ser desfrutar daquela sensação agonizante e incerta — porque não há.
Quero degustar as comidas, as bebidas, as frutas, as sobremesas, o doce e o amargo em presença plena, como se não pudesse haver qualquer outro sabor a provar — porque não há.
Quero ouvir cada pessoa como se ela fosse a pessoa mais importante do mundo — porque ela é. Seja o meu colega estrangeiro de hostel, uma pessoa aleatória na rua, meu novo grande amigo de 30 minutos, meu amante, minha melhor amiga de infância, minha irmã, o presidente da República. Todas as pessoas são as mais importantes do mundo naquele momento.
Levou 30 anos para essa ficha cair por aqui: tudo o que se vive no Agora é a coisa mais importante do mundo, porque é a única coisa possível de ser vivida.
Há escritos compartilhados com o mundo, mas que são fundamentais, em primeiro lugar, para quem os escreve. É o caso deste texto. Embrulho com cuidado e amor os três itens acima, coloco-os no bolso e sigo viagem, explorando novas estradas colombianas e animada pelo próximo destino, onde vou aportar por um mês e meio.
Ah, sim, e a vida é linda — apesar de. Que sigamos com coerência interior em nossos valores e alimentando presença plena em cada respiração. O mundo precisa disso, mais do que nunca.
Como ressoam esses itens por aí? Vou adorar saber!