A impossibilidade do adeus - Artemísia #31
Não há despedida eterna se depois de um encontro já não somos os mesmos
Na língua quéchua, falada em muitas regiões andinas, não existe palavra equivalente a “adeus”. A que mais se assemelha a ela é Tupananchiskama, que significa “hasta que la vida nos vuelva a encontrar”. Já me despedi de tantas pessoas em um mês, entre lágrimas e sorrisos, alternando o coração leve e apertado, que não conto nos dedos.
Mas tem um encontro que me fez entender, com clareza, a impossibilidade do adeus. É que não sou mais a mesma pessoa depois dos 90 minutos de interação com um inglês viajante que suava sem parar e intermitentemente secava a testa com guardanapos. Dançamos uma salsa imperfeita em uma sexta-feira à noite em Iquitos, a capital da Amazônia peruana. Na hora e meia que compartilhamos, aprendi mais sobre autenticidade que em um montão de livros, vídeos e manuais. Brené Brown poderia usá-lo como exemplo.
Sei pouco sobre esse inglês — e com certeza é tudo enviesado. Ou seja, o que chegou a mim passou pelo meu filtro, pelos meus preconceitos e pela minha leitura de mundo.
Ele contou a mim e ao grupo de estrangeiros com quem estávamos que passou os últimos cinco meses na Colômbia. Entrou no Peru de barco para conhecer a selva amazônica, tinha planos de permanecer cinco dias no meio da floresta e, depois, seguir viagem direto ao Equador. O tempo no norte peruano era, portanto, muito curto. Ele tinha aquela noite específica na qual decidiu vir conhecer um bando de estranhos por indicação de uma amiga em comum.
Ele suava sem parar — e acho que nunca vi ninguém sorrir tanto. Não chegava a se sentir constrangido por estar com a camisa florida encharcada, e lembro de me impressionar, admirada, com isso — porque, se fosse comigo, não sei onde me enfiaria. Em solo colombiano, ele também suava assim, foi o que me disse. Acostumar-se ao calor era um desafio que ele estava decidido a transpor todos os dias, embora sem sucesso.
Mesmo chegando ao nosso grupo de forma aleatória, sentia-se à vontade, como se não quisesse estar em qualquer outro lugar. E poderia estar, é claro. Sempre temos escolha.
Frequentamos um bar com música ao vivo, onde amigas da minha irmã peruana (isto é, da família na qual me hospedo) tocavam cumbia, merengue e salsa. Ele queria bailar salsa, e ficou muito feliz de poder fazer isso com uma mulher de 1,78 m de altura como eu, depois de tantos meses seguidos na Colômbia dançando com pessoas mais baixas.
Achei ele extraordinário — e não pensem que em outro sentido que não o da expressão genuína de uma pessoa em sua autenticidade máxima. Tirou do bolso um celular antigo que só tem o WhatsApp instalado, mostrou as poucas músicas que consegue salvar no aparelho, conversou feliz como se nos conhecêssemos há meses e se despediu, sem grandes pompas, como se fosse voltar amanhã para rever amigos de longa data.
Ele brilhava porque se permitia ser quem é.
Viajar é se despedir o tempo inteiro — de pessoas, de lugares, de experiências. Mas é também inaugurar versões novas com uma frequência voraz. Não é possível permanecer igual. Viajar te desacomoda, te apresenta pessoas incríveis com quem se cria conexões genuínas — para que, dias ou horas depois, cada uma siga seu rumo. Viajar dota coisas até então pequenas de sentido, enquanto borra as arestas do que antes era sólido.
Reflito com frequência canceriana sobre os abraços que estou dando em recém estranhos que, repentinamente, tornam-se especiais. O que me incomoda é não saber quando (e se) haverá outro encontro. Estou sendo obrigada a criar resistência a despedidas.
A família na qual me hospedo abriga voluntários do mundo inteiro. É meu caso: estou em Iquitos para trabalhar por um mês em uma ONG de educação de jovens e mulheres. Essa família obviamente se apega às pessoas que dividem tudo dentro de sua casa: de talheres ao banheiro e à mesa do café. Criar vínculos tem seu preço: sentir as despedidas. Eles não se acostumam com isso, sempre é difícil — me confidenciou minha mãe peruana, Berta.
Tupananchiskama é mais profundo ainda: entendi que, de forma subjetiva, sigo encontrando todas as pessoas que me tocaram, todos os dias. Não há adeus definitivo se a pessoa deixa um pouco dela em nós. Não há despedida eterna quando, por meio de alguém, nos tornamos uma versão mais autêntica de nós mesmos.
Isso difere de sentir falta da pessoa em um sentido ruim. A impossibilidade do adeus é uma celebração aos encontros únicos, fugazes e especiais que a vida nos proporciona. Se entendêssemos cada momento como um lembrete da ordem e da mágica do universo, talvez aproveitássemos cada oportunidade mais genuinamente.
Efêmero às vezes dura anos.
O eterno, às vezes, se apresenta em minutos.
Quando meu par de salsa inglês partiu repentinamente, porque iria à selva no dia seguinte bem cedo, eu fiquei com uma sensação estranha. “Ok, então foi isso? É assim que funciona?”. Senti um desconforto inédito com aquela partida sem pompas. Quando é a última vez?
Tudo o que sei é que ele se chama Thomas, tem um irmão gêmeo idêntico e que aprende espanhol para se conectar às origens da falecida avó, oriunda da Espanha. E também sei que jamais poderei ser a mesma depois daquele encontro.
Tupananchiskama, Thomas. Me encantó bailar contigo.
Emocionado! Eu sinto o mundo muito desse jeito. Os encontrar fugazes ficam por muito tempo na minha cabeça. Lindas palavras ❤️
que delícia tem sido acompanhar sua viagem por aqui. e que grande figura parece ser thomas. vivam os encontros da vida! 🙌