Páginas de memes são bons indícios do Inconsciente coletivo. Em quase todas com viés de jovens (nem mais tão jovens) de esquerda, me espanto com a quantidade de piadas que fazemos com nossa exaustão física e mental, para além das montagens em WordArt em que reclamamos do preço do azeite.
Entre risos e deslizes de tela infinitos em tiradas autodepreciativas (o que tenho evitado um pouco), lembro de um filtro que usei numa selfie, há uns cinco anos. Em volta do rosto, havia um círculo com a frase: “Você já se sentiu como uma sacola de plástico?”, em referência à frase icônica e de qualidade duvidosa da música da Katy Perry. Foi o período mais exaustivo da minha vida, e eu voava ao vento como uma sacola de pão rasgada que ainda polui o meio ambiente. Feliz ou infelizmente, uns tantos burnouts depois, aprendi que não dava para manter uma vida constante naquele ritmo.
Em conversas recentes com amigos, ouço a repetição de um desejo por parte de quase todos eles: o de ficar quietinho no seu canto, deletar o WhatsApp do celular e sumir por uns 14 dias rumo a uma praia paradisíaca sendo alimentado por uvas diretamente na boca, com open bar de drinks selecionados e vento salgado no rosto.
Todo mundo precisa descansar — e de preferência agora. Não só do trabalho, mas de uma carga mental excessiva na qual parece que, o tempo todo, estamos performando e/ou lutando contra um sistema caótico, deturpado, doentio, que destrói a natureza física e nos arrasta junto.
Diante dessa constatação, aliada à impossibilidade de jogar tudo para o alto, só me martelam na cachola outras perguntas. Do lado de quem me sinto descansada? Com o quê encontro paz para continuar? Onde coloco a cabeça e o corpo para renovar as energias enquanto não chegam as férias — e como, pelo amor das deusas, eu paro de contar os dias para chegarem as férias e o final de semana?
Com o quê e com quem podemos encontrar sombra e água fresca no meio do concreto?
A vida criativa, levada ao seu significado máximo, pressupõe que a criação chegue à superfície no flow, nesse estado em que estamos relaxados, descansados. Gosto de chamá-lo de atenção distraída — bem diferente do estado de alerta, que se aproxima do estresse.
Na atenção distraída, estamos presentes, abertos, atentos, mas relaxados.
No estado de alerta, estamos performando, preocupados com métricas, números, com entregas, com o que os outros pensam da gente. É claro que vamos chegar ao fim do dia como uma sacola plástica voando no meio de um ciclone.
Pessoas, ambientes e atividades podem estimular esse estado de atenção distraída. Passei, então, a selecionar onde aceito permanecer e quem eu convido para entrar.
Quanto de energia despendemos performando? Escolhendo milimetricamente palavras e tentando controlar situações? Buscando entrar no lugar errado? Fingindo estar tudo bem? Alimentando o looping das paranoias? Todos os arquétipos femininos, que são intimamente ligados à autenticidade e à criatividade interior, se contorcem e ficam só o pó.
Tenho um palpite que a cura começa em se perguntar, genuinamente, a seguinte questão: “O que eu quero de verdade?”.
O segundo passo é se mover nessa direção sem pressa, mas com passos firmes.
Para mim, skate é sombra e água fresca. Me sinto a minha versão preferida, meu eu mais potente andando para lá e para cá. Minha melhor amiga é sombra e água fresca, porque me sinto amada só por existir. Meu gato é sombra e água fresca, mesmo fugindo de mim porque sou uma Felícia. Esta newsletter também é sombra e água fresca — é quase um oásis com vento salgado e aula de surf na sequência (meu sonho).
Na vivência da nossa autenticidade, é importante encontrar respiros para seguir — tanto em forma de hobbies e paixões, quanto de pessoas que nos permitam a retirada de máscaras e armaduras, que aliviem o estresse do estado de alerta constante para performar. Sombra e água fresca é não esperar as férias e o final de semana para descansar ou sermos nós mesmos. Sombra e água fresca estão, também, dentro da gente.
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Sem pressa, mas com passos firmes.
Amei muito isso 🤎
sair das redes sociais me ajudou bastante a desopilar... a gente é bombardeado com uma cacetada de informação sem nem se dar conta do quanto pode ser desgastante.