Rompendo o vaso - Artemísia #66
Quando é preciso mudar o ambiente para cumprir a memória da semente
Tenho uma amiga-sequoia. Raízes profundas, cooperativas, que se fortalecem no contato com outras e no envio de informações por baixo da terra. A sequoia cresce com força para baixo antes de se tornar imponente e receber o título de maior árvore do mundo. Minha amiga-sequoia está — ainda — plantada em um vaso. Reforço o ainda. A memória da semente dela não permite que uma planta daquele porte vingue em um ambiente que não deixa sua copa voar em direção ao céu.
O vaso está — para a surpresa de zero pessoas — rachando. A natureza não vai deixar que ela passe a vida toda fingindo que é um bonsai.
Um ecossistema é suscetível ao ambiente: ou seja, às temperaturas, à quantidade de chuva, à umidade do solo, às outras espécies que coabitam o espaço. A planta recebeu água, foi regada, foi cuidada — ou vive à margem, querendo imitar o que não é e exposta a todo o tipo de injustiça sistêmica? Uma sequoia não cresce como um bonsai, que não é igual à bananeira, que é muito diferente de um pé de laranja e de um arbusto florido.
Tudo tem sua beleza, e cada espécie responde a um ímpeto inato — ou seja, carrega a memória do que veio ser.
Uma sementinha diminuta abriga todas as informações de que precisa para ser o que é, mas ela precisa ser plantada no ambiente correto. E ela precisa, primeiro, reconhecer sua natureza única, ainda que pertencente a uma família específica. Os sinais costumam ser óbvios: até um cisne vira um patinho feio quando não está entre os seus.
“Onde posso encarnar minha nova versão?”
Todas as vezes em que escolho um destino nessa vida nômade-mochileira-viajante, me faço esta pergunta. A semente não guarda só memória, mas também direção. O ímpeto de sair é a natureza pedindo estação, solo, umidade e ambientes específicos para crescer.
Em Lima, encarnei a mulher de 30 anos fazendo loucuras por um skatista — e carrego zero arrependimentos pela história. Curei o “e se…?”, abri uma nova porta e vou amá-lo (o skatista) para sempre. Ele também vai me amar para sempre, eu sei. E isso nunca mais me permitiu ser a mesma.
Em Iquitos, encarnei a viajante adaptável e aberta a tudo, tudo, tudo. Andando por aquelas ruas caóticas e barulhentas, entendi a importância do silêncio interno e fui tomada, pela primeira vez, por uma sensação de paz que nunca mais me abandonou.
Na Colômbia, conheci a Cândida acesa por uma fogueira vibrante e cálida.
Em Cali, especificamente — a cidade que mais amei até agora —, descobri uma felicidade que não sabia sequer estar disponível no mundo. Dançava 6 vezes por semana. Tinha uma bateria infinita. Encarnei a esplêndida que sempre viveu em mim.
No Brasil, investigo minhas origens e busco compreender, a fundo, por que me sinto tão brasileira — identidade forjada com mais força saindo do país, onde ninguém acredita que posso ter nascido deste lado do planeta e não em um país europeu.
Em Florianópolis, descobri duas versões que me coabitam: na Barra da Lagoa, a recepcionista de hostel alegre e adaptável a dividir uma casa com 18 pessoas; no Rio Tavares, a jornalista, escritora e bruxa que mergulha fundo em si mesma ao lado de uma amiga que dá seu próprio mergulho também.
Cada ambiente colabora para que surjam novas versões. Sou todas — e não as descobriria se não fosse em movimento.
Em cada destino, tiro da cartola, como uma ilusionista que sabe o truque, outra versão minha. A viagem é só uma desculpa para mostrar à plateia o coelho, mas eu sei que embaixo da mesa tem um botão de “foda-se” que apertei para sacar o animal do objeto e deixar todos pensando que foi mágica.
Qual é o ambiente em que você se sente plena para expressar autenticidade? Lugares são portais para encarnar versões; os territórios em que pisamos têm energia — e ela pode nos expandir ou nos contrair, fazer vir à tona o que sempre fomos e ainda não tínhamos acessado, ou pode nos deixar desvitalizadas.
Em questões sociais, não se pode desvincular a magia de viver a própria essência da libertação coletiva de padrões que impedem muitas pessoas de cumprirem a memória da própria semente — e quanto mais aterrados em nossa essência, mais desestruturamos o sistema que insiste em plantar sequoias em vasos.
Hora do chá
Vou mudar o ambiente — de novo — e realizar um sonho antigo, atendendo a outro chamado de alma que se apresentou em sonhos e sincronicidades: estou chegando na Bahia semana que vem! A próxima edição será enviada de Salvador. Alô, alô substackers e leitores baianos: vamos tomar um café?
Relembro que agora a Artemísia tem uma versão paga para quem deseja apoiar a newsletter e receber textos exclusivos sobre sonhos, aventuras e regeneração :)
Cândida, obrigada pelo texto, potente como sempre. Fiquei pensando aqui nas minhas versões, nas minhas tentativas (frustradas) de me comportar como jasmim, sendo que me identifico como lírio. E por aí vai. Tenho certeza que você vai amar Salvador! Sigo no Sul, aguardando notícias <3
Que edição mais gostosa de ler, Cândida!
Estou vivendo o momento da decisão do próximo destino, e me ajudou demais da conta ler a sua edição, para lembrar do que é mais importante na hora de decidir. Obrigada! 💓
E sobre a Bahia, se puder, conheça Serra Grande. E se for até lá, tente assistir à uma roda de Capoeira no Barracão D'Angola. É muito mágico!
E se puder, conheça a cidade de Itcará também. Uma lindeza.
Beijos e abraços apertados! ❤️