E se eu não tivesse medo? - Artemísia #13
“Coragem, coragem, coragem”, repito pra mim — e salto de novo
O corpo sabe. Sempre. Ou ele brilha, uma chama acende e o impulso para criar vem, ou os braços pesam, o estômago dá uma pontada, a região sacral joga um “hã hã” para a garganta.
A cabeça briga. Mas é claro que eu vou! É uma oportunidade perfeita! Tá doida?
E se eu não tivesse medo de ficar sem dinheiro, medo de estar sem perspectivas em curto prazo, medo de aproveitar a oportunidade que o tempo livre me proporciona, ainda seria a oportunidade perfeita?
E se eu não tivesse medo de fazer a escolha errada, se eu não tivesse medo de seguir aquele sinal estranho e claro, se eu não tivesse medo de proferir um “agradeço por ter sido escolhida, mas vou declinar da proposta”, eu ainda teria dito o “sim”?
Quando eliminamos o medo das decisões, quase sempre nos surpreendemos, porque o caminho se torna muito diferente do que é amplificado pelo lado de fora.
Mas fui vencida, temporariamente, pelo medo. E onde há medo, há escassez.
Ouvir jovens de 20 e poucos falando “não vejo a hora de me aposentar” e “trabalho para pagar as minhas férias” me dá vontade de chorar de tristeza. Falhamos como humanidade. Triunfa o capitalismo em corpos sem alma repetindo ações absolutamente desprazerosas para fazer a máquina girar. Ainda emulamos “Tempos Modernos” de Charles Chaplin, apertando botões e girando manivelas sem pensar direito, com a diferença de fazer isso com Inteligência Artificial, rolando telas infinitas e achando que agimos muito diferente do período da Revolução Industrial. Mudam as formas, permanece o sistema.
Sim, existimos em coletividade, em cooperação. Sim, precisamos trabalhar — é nosso servir em ação. Sim, a vida é imperfeita, às vezes as coisas ficam maçantes, repetitivas, existe a burocracia, as atividades que não nos acendem o tempo todo. Mas existe o sentido, o auto-aprimoramento, existe a possibilidade do tesão pela vida, e acredito até o fim que existe algo bastante revolucionário chamado “vontade de levantar pela manhã para trabalhar”. Principalmente, acredito em algo bastante revolucionário — porque simples e bonito — chamado vontade de viver.
No Ensino Médio, desisti de ser professora de Língua Portuguesa e Literatura por causa do que presenciava diariamente. Estudei a vida toda em escolas públicas estaduais do interior do Rio Grande do Sul e me espantava o desprazer, a falta de motivação e a tristeza de quem entrava para lecionar em sala de aula. Isso é fruto, claro, de um sistema que pouco valoriza docentes, de alunos que não veem qualquer sentido em aprender aqueles conteúdos descolados da realidade diária, em um ensino conduzido no formato que Paulo Freire criticava e denominou como “bancário” — o professor deposita o conteúdo, o aluno finge que aprende.
Cravei: “não vou ser infeliz e reclamona no trabalho mas nem a pau”. Prestei vestibular somente para Jornalismo.
Entre muito amor e ódio, hoje entendo a escolha e acredito que foi um direcionamento de alma mesmo. Eu queria escrever. Escrever! Que coisa simples. Escrever, viver, experimentar as coisas, conhecer gente, estar nos lugares, pesquisar, refletir, juntar informações, ajudar a explicar um pouco o mundo. Dar ordem à desordem aparente. Cristalino o quanto isso me representa.
Ainda assim, esbarrei, ao longo da faculdade e depois de formada, em muitos clichês, em muita precarização, em muita infelicidade coletiva com a profissão. Não é pra menos: muitos jovens recém saídos da adolescência — eu inclusa — entram no curso imbuídos de um senso de importância muito elevado. “Pra que você quer cursar Jornalismo?”, nos perguntam. “Pra mudar o mundo”, a gente responde, na inocência idealista dessa idade. É a receita para a decepção — e já falei sobre isso aqui.
Em quatro anos de curso e oito como jornalista com diploma, me frustrei e também fui feliz, mudei rotas, experimentei, vivi, viajei, escrevi reportagens e textos de opinião, empreendi, coordenei equipes, fiz muito mais do que pensei ser possível. Mas reclamei muito. Virei a reclamona sem tesão para levantar da cama e trabalhar. E eu me nego a isso, principalmente sabendo que posso — e quero! — mais.
Depois de muito autoconhecimento, compreendi que preciso de uma dose de novidade mais elevada do que boa parte das pessoas (falarei sobre Design Humano em outras edições, que foi a ferramenta que me deu essa clareza). Portanto, aprendo a acolher o que muitos nomeiam como “inconstância”, porque não é exatamente inconstância. É ouvir meu corpo, saber o que eu quero, desafiar normas vigentes de um emprego para a vida toda, de uma carreira linear, de uma contribuição atrelada a fincar raízes em um só prédio corporativo. O trabalho já foi, há muito tempo, esse servir de alma em ação. Não há interesse nenhum nisso voltar a ser a norma no capitalismo.
Em uma crise de choro, direcionei minha raiva a forças superiores e reclamei em voz alta com instâncias divinas: “se a vida for isso aqui que me vendem, não quero mais viver. Pelo amor de deus, é preciso ter algo a mais”.
Acho que me ouviram. Pouco depois, me dei conta de que o algo a mais é minha coragem. Mas continuei chorando porque queria a solução divina, e lá fui eu ter que buscar a minha Ártemis pela mão.
Em busca de clareza depois de mais um salto — dessa vez não no vazio, não no escuro, mas um salto arriscado —, joguei Tarot de Marselha. Não enxergo o tarot como adivinhação, mas como energias à nossa disposição para enfrentarmos os desafios do momento. O conselho final das cartas? Ás de espadas.
Pego essa espada e realizo cortes energéticos. O maior deles é a destruição — ou pelo menos o ferimento profundo — de um grande medo.
Eu vou e ponto. Minha Ártemis sabe como proceder, segue o coração e pede passagem.
Uma amiga me falou, na segunda-feira: “Abundância é fazer o que precisa ser feito na hora em que precisa ser feito”. Acolho o ensinamento, e então faço. Saltei de novo, me provocando: “e se eu não tivesse medo?”. Fake it ‘till you make it.
Eu sempre tive muito medo de mudar, das incertezas... Agora com 39 anos estou fazendo escolhas “arriscadas”, confesso que ainda com muito medo de ter feito escolhas erradas, mas estou tentando seguir mesmo com medo. Obrigada por esse texto lindo! :)