O baile da minha intuição - Artemísia #41
Ignorei o sussurro, bati o pé fora do ritmo e dancei
Faz uma semana que senti um arrepio inédito na nuca. Estava em um bar tradicional de salsa em Cali, ao lado de um caleño mais liso que banheiro de shopping recém limpo, e aquela sensação na parte de trás do corpo me fez desconfiar que algo estava fora do lugar. Escorreguei, mesmo vendo a placa amarela que indica atenção, e levei um tombo dolorido.
Desde o primeiro dia, uma voz sussurrou. Depois, ela gritou, jogou serpentina, tocou vuvuzela, ligou sirenes berrantes. Decidi tapar os dois ouvidos. Paguei para ver sob a desculpa de estar viajando — essa máxima que mimetiza o slogan “só se vive uma vez” e nos leva a tomar decisões bastante duvidosas.
Não surpreende que jamais tenhamos acertado o giro cheio de firulas que ele tentava me ensinar na salsa. Era óbvio: sempre estivemos descompassados na dança.
O arrepio na nuca foi o último aviso que ignorei.
“Por que você foi tão emocionada?”, me perguntaram.
“Porque estou vivendo”, respondi.
A dança também ensina: não é porque você frequenta aulas, treina, repete e jura que sabe todos os passos de cor que não vai tropeçar no palco. Profissionais também cometem erros. A diferença é que disfarçam melhor ou seguem o baile com mais naturalidade.
Quando abracei sombras do passado, em um rompante dramático me perguntei: por que logo comigo? Não tenho anos de terapia nas costas? Não havia meditado naquela manhã? Já não mudei a mentalidade por meio da corrida? E minha constância e coragem, não contam nada aqui?
Após a autopiedade e indignação cancerianas, entendi que os músculos estão fortalecidos. Levantei mais rápido do que de costume desse passo em falso e prometi escutar a intuição da próxima vez.
Se a dança não flui, há que buscar outro par.
(Para consolo, este texto aqui, em uma sincronicidade, me encontrou na hora certa.)
A dança é a atividade que mais me aproxima da minha versão de 7 anos. Me sinto vibrante, sorrio até doer as bochechas e acordo, no dia seguinte, com vontade de seguir vivendo, mesmo que as pernas estejam moídas.
Em Cali, saio para dançar cinco dias na semana — e tiro essa força das entranhas, sabendo que quanto mais energia gasto, mais energia tenho. Para mim, dançar é aprender a fluir, deixar-se conduzir por outra pessoa e confiar que o próximo passo vai ser dado corretamente, quando a energia masculina e a feminina estiverem alinhadas.
Se penso muito enquanto bailo, me perco e piso no pé alheio. É preciso soltar.
Pergunta pra vida: você se deixou levar pelo ritmo ou fritou o cabeção?
Eu fritei o cabeção, como vocês podem ver.
Quando começamos em um jogo amoroso — e o próprio conceito de “jogo” aqui é absolutamente questionável —, é normal que não mostremos todas as cartas. Aprendemos assim a vida inteira: é preciso ir com calma, não confiar nas pessoas, entender que a disponibilidade alheia é limitada e que os homens são “perros”. Ressignifico tudo isso — ou tento —, mesmo que a temporada de romance colombiana esteja, definitivamente, me entregando experiências diametralmente opostas às do Peru. E tudo bem.
Talvez, o que a própria intuição diga é: o que pode chegar de alinhado se você nem sabe o que está pedindo? Que força coloca nas suas palavras?
Ainda não sei pedir o que quero porque, neste momento, redescubro o que quero. E isso também é genuíno. A música trocou, me ajusto à nova dança e reconheço outro ritmo.
Enquanto isso, também há beleza em dançar desengonçada. Não fui eu que sempre disse que amo pessoas corajosas que se aventuram a bailar como conseguem na pista de dança?
Uma verdade incontestável: dançar realinha os chakras.
No tradicional bar que frequento com assiduidade, há outro caleño com quem dancei na primeira vez que fui ao espaço. Nunca o esqueci. Segunda-feira, ele me tirou para dançar de novo, e de tão nervosa que fico bailando com esse homem, erro todos os passos.
Quando nos iludimos e confundimos paixão com tesão e vontade de ser vista, de ser a escolhida, caímos na escassez. Vocês vejam o pensamento que me invadia: onde vou achar outro caleño que dança tão bem? (Sim, eu pensava isso. Em Cali. Onde tem um zilhão de homens que dançam, e muito melhor do que o dito-cujo de uma semana e meia. Mas a paixão me deixou um pouco burra.)
A intuição, porém, sempre esteve sussurrando. Ela se apresenta como uma voz que oferece guiança e suporte, como uma sensação que te enche de paz ou de agonia. Quando a ignoramos, há outras travas que se interpõem, e a lição maior é que onde não flui, não é por ali. Não insista.
A música nunca parou de tocar. Eu que decidi me retirar da pista para tratar esse tombo, acalmar o coração confuso e voltar cheia de energia.
Felizmente, relembrei a lição rápido: quando seguimos a intuição, acertamos o passo.
em bom português, segue o baile!
Haha também espero que tenha aprendido por não ter que passar por isso novamente...
Eu quem agradeço o post!