Viajar para quê? - Artemísia #29
Há quem viaje para fugir, há quem viaje para se encontrar, e há quem já esteja encontrado e viaje exatamente por isso
Desde que saí de casa em Porto Alegre, há quase três semanas, em um Uber dirigido por um peruano, me pergunto o porquê de viajar e os motivos desse voo. Ainda não tenho a resposta esquadrinhada, mas sei o que busco: a sensação de saber que estou fazendo o que deveria estar fazendo na hora em que deveria estar fazendo. Também caço, sem descanso, o sentimento genuíno de não querer estar em outro lugar, aquele calor que aponta a paz — “é aqui, é agora, é dessa forma”.
Antes de pisar em solo peruano, enumerei os meus objetivos. Tive um sonho que me apontou que eu estaria procurando a coisa errada no lugar equivocado. Então, fiz uma lista que deixou meu ascendente em Virgem em paz, agradecido. (Coitado, o resto do roteiro todo em aberto o deixou de cabelos em pé.)
Com aquela lista manual, entendi: viajo em busca de conexão — com outras pessoas, com experiências, comigo. O que encontro do outro lado é uma surpresa que me deixa estupefata todos os dias.
Há pessoas que viajam para fugir. Há pessoas que viajam para se encontrar. Há, ainda, quem viaja porque já está encontrado e responde à sua essência curiosa, buscando o desconforto do desconhecido, o flanar em ruas estrangeiras, as trocas com pessoas especiais. Em qualquer circunstância, viaja-se em busca de algo. Do quê é muito particular.
Tenho a sorte de conhecer bastante gente nessa viagem. Vejo que todas fazem um roteiro muito único, particular. Entram por um destino diferente, vão e voltam por cidades distintas, deixam pontas soltas e respondem a convites de última hora. Não existe uma viagem igual à outra com mochileiros — ou, na palavra em espanhol que me encanta, viajeros —, e isso é lindo.
Uma colombiana com quem estive hospedada desistiu de uma viagem 30 minutos antes de embarcar no ônibus rumo à cidade de Puno, porque amigos a convidaram para ir a um povoado a duas horas de Cusco, onde haveria festas locais.
Indecisa, ela não sabia o que fazer antes de embarcar à rodoviária, onde tentou (sem sucesso) trocar a data da viagem:
“Parte de mim me diz que, qualquer que seja minha decisão, eu estarei bem”, ela me disse, antes de sair.
Ficou em Cusco, foi às festas no povoado e agora está em Puno. Fez tudo o que queria no tempo em que a vida a convidou.
Observando esses vaivéns particulares, entendi que reluto em contar às pessoas que vou viajar porque sinto que há um desejo de dar mil dicas, de perguntar o que você vai fazer, ou ainda exclamar “como assim tu não vai pra tal lugar?”.
Agora, compreendo que essa viagem está ligada a conexões e experiências, muito mais do que em dar check em pontos turísticos. A jornada vale a pena quando a gente encontra pessoas para compartilhar, está aberto pro que genuinamente deseja e precisa se apresentar e quando sente essa paz inexplicável de “eu estou fazendo o que deveria estar fazendo”.
Nisso, entra uma oposição que vejo ocorrer com frequência: turistas X mochileiros.
Há quem defenda que mochileiros ou viajantes são mais autênticos e sustentáveis. Buscam se infiltrar entre pessoas locais, querem conhecer o mundo e respondem a desejos únicos. Turistas, por sua vez, se param por meia hora em filas para tirar a melhor foto, arriscam a vida por um clique instagramável, não entram em contato com pessoas locais para além dos restaurantes turísticos e até deterioram lugares e espaços com comportamentos duvidosos.
A verdade é que eu odeio me sentir turista — embora, como viajera, sei que continuo sendo uma. Não há como fugir, essa verdade nos engolfa. Eu sou uma estrangeira, para o bem e para o mal.
Nesta viagem ao Peru, fiquei hospedada, por duas vezes, em um anfitrião de Couchsurfing na cidade de Cusco. Sábado à noite, ficamos sozinhos assistindo a vídeos de cantores brasileiros, RBD, Taylor Swift (eu apresentei ela a ele, JURO!) e de bandas andinas que ele gosta. Tomamos caipirinha, comemos pizza e, em meio àquela intimidade forjada por trocas culturais, ele se abriu: disse que viajar o salvou, depois que a companheira de anos engravidou de outra pessoa. Em depressão por quase um ano, sair do mesmo lugar e conhecer outras pessoas o devolveu o sentido da vida. Por isso, ele generosamente hospeda pessoas do mundo inteiro sem cobrar nada. Assim, ele continua, todos os dias, viajando por meio de estranhos que aportam de mochila naquele apartamento de três quartos em uma das cidades mais turísticas do Peru.
Uma amiga definiu que três horas em uma viagem equivalem a três meses normais de vida - e minha tendência é concordar. Não que a rotina não tenha seu valor. Às vezes, meu peito dá uma apertadinha lembrando da minha corrida matinal, dos exercícios físicos mais frequentes, da minha alimentação regrada com base no que a nutricionista havia indicado. O veganismo foi pro saco, e agora estou flexitariana em nome da gastronomia local e das experiências mais autênticas. Cada um sabe até onde consegue, pode e deseja ir.
O que ocorre é que o tempo parece que se estica diante da assimilação de tantas experiências novas. Estou há 20 dias viajando, e parece que já são dois meses.
Ainda nas experiências de Couchsurfing, me hospedei com uma tecedora em um povoado a 50 minutos de Cusco. Ela é a única couchsurfer de Chinchero, o que significa que também recebe pessoas sem cobrar nada — com o único intuito de que esses viajantes que aportam em sua casa a mostrem, de alguma forma, ao mundo.
Ela aprendeu a fazer pizza com um chef italiano que vive na Sicília, cozinhou pão naan com uma professora universitária indiana, e uma jovem da Letônia pintou, como forma de agradecimento, a fachada da sua casa, ornando as portas antigas com desenhos de flores. Ela nunca foi a Lima, e disse que não tem interesse. Mas agora, já que tem amigos espalhados pelo mundo inteiro, deseja conhecer alguns países — como o Brasil e o Chile, que são os primeiros da lista. Ela amou a caipirinha que preparei a ela e ao marido e, na manhã do dia seguinte, me pediu mais.
Em nossas andanças pelo povoado, ela me levou duas vezes a “huacas” — locais sagrados em que se cultuavam divindades. São pedras imponentes que carregam uma energia especial. Entramos em lugares secretos no sítio arqueológico da cidade. Foi mágico, para dizer o mínimo.
Nas duas vezes, encontrei Artemísia durante o caminho. Minha anfitriã disse: “essa planta é boa para reumatismo”. Ela não sabia que era uma erva também utilizada nos ciclos femininos e associada à magia e aos sonhos lúcidos. Contei a ela e depois me lembrei de um sonho que tive há um ano e meio. Nele, meu Animus (vide a explicação aqui) era um médico reumatologista. Na época, contei à minha psicóloga e ela me disse: “o que o reumatologista cura? Tu não acha que está pouco flexível, com as articulações rígidas, no sentido figurado?” Bingo. A vida queria que eu aprendesse a fluir, que eu me rendesse aos planos que havia pra mim, não ao que eu achava mais correto.
O feminino saudável e integrado ao seu Animus sabe fluir. Esta viagem cura isso. Estou fluindo.
Seja turista, mochileiro ou nômade, desembarcar em outra cidade, estado ou país é adentrar um portal. Com o passaporte em meio a mãos trêmulas e o coração aberto, atravessamos limites que nos aproximam de nós mesmos. É para isso que se viaja.
Hora do chá
Agradeço a compreensão pelo atraso de um dia no envio desta newsletter. Como compartilhei nas minhas redes sociais e no notes aqui do Substack, fiquei por quase dois dias sem acesso à wi-fi e meu 4g capenga não dava conta de atualizar adequadamente páginas mais pesadas. As experiências, porém, falaram mais alto e valeram muito a pena.
Minha viagem vai mudar bastante semana que vem, pois entro em uma nova fase desse percurso. Em breve, também trarei novidades por aqui.
O Couchsurfing, plataforma da qual falo com frequência nos meus textos, me proporciona trocas maravilhosas para além de hospedagem gratuita, mas de contato profundo com outras culturas e pessoas incríveis. Estou usando pela primeira vez aqui no Peru e recomendo a todos darem uma olhadinha. Se quiserem informações e dicas sobre, também estou à disposição.
viajando com você 🌎💚
Amei viajar com você nesta edição. Esperando as novidades da próxima! 🌻