Cidades-portais - Artemísia #42
Chorava só de pensar em sair de Cali, até que entendi que não preciso ir embora
Aportei em um domingo de manhã, antes das 6 horas, na rodoviária de Cali. Os olhos estavam atentos ao movimento do terminal, já bastante agitado. O coração, em contraponto, estava absolutamente leve. Nem eu sei de onde saiu aquela leveza toda depois de sete horas de sono entrecortado.
Desde o primeiro momento em que pisei os pés para fora do ônibus — assustada com a rapidez da viagem —, a mesma sensação me acompanhou na cidade: tranquilidade. Sinto-me calma não no sentido de tédio — muito pelo contrário! —, mas de paz, de relaxamento, de estar aberta às experiências transformadoras que me esperavam no terceiro maior município da Colômbia.
Cali foi um portal para dentro de mim mesma. Foi o lugar onde descobri uma versão que eu sentia que adormecia há anos: a que tem uma energia infinita para ir a festas, experimentar a vida, seguir a intuição e dizer “sim” aos convites mais inusitados.
Peguei na mão da Cândida que passou dias tranquilos em um hostel pequeno e que fez uma família naquele local com capacidade para 12 hóspedes. Adormeci ao lado da Cândida que realizou o sonho de se tornar correspondente internacional, ao mesmo tempo que preparava café da manhã para os hóspedes. Fui acompanhada pela Cândida que recebia e-mails do editor enquanto trocava lençóis de quartos e limpava o chão de banheiros (essas cenas realmente aconteceram e me arrancaram sorrisos). Enxergava uma versão minha, todos os dias, que se perguntava: como a vida pode ser tão boa?
Aqui, brilhou a Cândida que nunca havia sido tão feliz, tão plena, tão leve, tão potente. Me apelidaram de Esplêndida no hostel. Em Cali, eu realmente sou esplêndida.
O lugar onde a mágica acontece não precisa ter pompa, fogos de artifício ou glitter. Precisa ter alma — e precisamente isso faz você se tornar sua melhor versão.
Cali me transforma na pessoa que eu desejo ser. Na que eu olho no espelho, todas as manhãs, e agradeço por estar viva. Miro no fundinho do olho verde azulado do reflexo — cheio de espinhas na cara de tanta fritura colombiana — e honro aquele salto há alguns meses. Que alegria colocar aquela mochila nas costas, e que surpreendente trilhar, todos os dias, um caminho que me corresponde.
Se eu pensei que fosse me apaixonar tanto por Cali? Nunca.
Se eu pensei que fosse me apaixonar tanto pela minha versão caleña? Para isso eu trabalhei por anos e anos em terapia e autoconhecimento.
Estou muito feliz que aportei nesse lugar. Quero descansar aqui, mergulhar nesse sentimento e me tornar oceânica em meio a ele. Desejo ser engolfada por essas ondas de energia infinita, de salsa e perreo cinco vezes por semana, de vontade de acordar pelas manhãs e por esse anseio enorme e até então desconhecido de viver profundamente.
Minha energia, em Cali, se tornou infinita em uma combinação de tranquilidade, festas e de uma coleção de amigos do mundo todo. Não surpreende que eu chorava só de pensar em sair, à medida que os dias foram chegando mais perto do final do que do começo.
Mas domingo, no meu primeiro dia participando da COP16, a maior conferência de biodiversidade do mundo (que é realizada em Cali este ano), eu entendi: não preciso ir embora.
Decidi ficar.
Foram sinais óbvios. Era meu primeiro dia como hóspede do hostel, não mais como voluntária. Vim participar de uma reunião pré-COP e passei o caminho todo sorrindo sem motivo nenhum. Pensei: “meus amigos todos estão vindo me visitar por causa do evento”.
Na fila do café na conferência, conversei com a atendente — que depois descobri ser a dona do local. Falei tão apaixonadamente de Cali que ela me ofereceu um emprego. Caiu a ficha: “se eu quiser ficar, eu realmente posso”.
Em mais uma sincronicidade, liguei o wi-fi e pipocou uma mensagem do hostel no meu WhatsApp: “queremos que te quedes en Noviembre”.
Aceitei na hora.
Cali não tem nada de mais, mas tem tudo o que uma cidade precisa: ela me fez sentir eu mesma.
É uma cidade feliz, colorida, cheia de vida e de dança. Ela é o que chamo de cidade-portal: aqueles locais em que acessamos versões nossas que estavam adormecidas, mas que sabíamos que estavam escondidas em algum lugar só esperando a energia correta.
A vida aqui tem sido mágica.
Semana passada, vieram ao meu hostel atrás de uma estrangeira apaixonada pela cidade para gravar uns vídeos promocionais a uma marca de produtos de cabelo. O mote era promover o orgulho de se sentir caleño para a COP16. Aceitei. O cachê pagou minha hospedagem da COP — e me diverti muito durante as gravações. Acionei minha versão criança que sonhava em ser estrela de comercial. Passei dois dias sendo maquiada por profissionais, provando comidas deliciosas e até dancei salsa com um bailarino que se apresentou com a Jennifer Lopez no Super Bowl.
Segunda-feira, lançaram o vídeo, e fui parar no Instagram da prefeitura de Cali e do prefeito. O destino tem uma capacidade criativa infinita quando dizemos “sim” ao que nos pulsa.
Agora, vocês têm acesso à minha versão atriz, para além da escritora.
Vou ficar em Cali até o final de novembro. Depois disso, é outra pergunta. Estou fluindo e ouvindo meu coração, aqui, como não havia feito antes. Na leveza que realinhar meus chakras por meio da dança proporciona, consigo sentir que tudo vai muito além do que um dia minha mente cartesiana planejou.
A vida pode ser absurdamente melhor do que jamais imaginei — e olha que eu sonho grande. Estou aberta para que continue assim.
Que alegria!!
Pura magia mesmo